Como deve ser um Centro Acadêmico?
Um centro acadêmico é a entidade de base de representação dos estudantes universitários. É oficialmente pela entidade CA que os anseios dos estudantes são publicizados e a partir do qual eventuais reivindicações são encaminhadas para os fóruns apropriados. A história dessa entidade é marcada por importantes lutas pelo direito dos estudantes e por um papel crítico a respeito de processos políticos como o regime militar brasileiro.
Mas ao falarmos em ‘centro acadêmico’, pensamos não apenas na entidade, mas também na diretoria que é eleita anualmente e que ao assumir adquire certas responsabilidades. Quanto a essas gestões, é bem capaz que a concepção colocada aqui não seja nenhuma novidade, ao menos na teoria. No entanto, quando observamos que o movimento estudantil da USP ainda sofre graves problemas de representatividade, temos a impressão de que muitos daqueles que se intitulam ‘militantes estudantis’ esqueceram de fazer a sua devida lição de casa.
Não é difícil afirmar pelo já exposto que se trata de uma incoerência óbvia o fato de uma diretoria de centro acadêmico construir uma gestão que destoe significativamente do interesse do coletivo que representa. Uma verdadeira diretoria de CA deve estar constantemente em pleno diálogo com os estudantes, compreendendo os seus interesses. Dessa forma, é equivocada a filosofia de que uma diretoria tem como responsabilidade trazer discussões para o conjunto dos estudantes. É justamente o contrário: os anseios e reclamações dos estudantes já estão presentes e são de alguma maneira debatidos e, portanto, a verdadeira função de uma diretoria de centro acadêmico é a de organizar e estimular o debate.
Ora, não se trata de apenas acatar ordens ou de se abdicar por completo de uma proposição política mais pessoal; em outras palavras, não se trata absolutamente de entender a diretoria como mera prestadora de serviços. Na verdade, é bem provável que uma gestão de CA possa dar acréscimos significativos ao corpo de discussão já presente no curso e esses acréscimos possuem diferentes causas. Causas que vão desde um potencial maior contato com a realidade de outros centros acadêmicos, conhecimento mais detalhado sobre o andamento das entidades gerais como DCE e UNE ou mesmo um maior domínio da questão abordada devido a uma discussão prévia da chapa durante o processo eleitoral. Aqui cabe uma observação: sendo a eleição disputada por chapas que teoricamente possuem cada uma certa coesão de conceitos políticos e de métodos, é razoável a defesa de eleições majoritárias, ou seja, aquelas nas quais haja apenas uma chapa vencedora; a fragmentação dos cargos de diretoria só leva a uma reunião forçada de concepções diversas e um previsível impedimento para a realização plena das funções da gestão. De qualquer forma, parece razoável afirmar que uma gestão de CA tem grandes condições de aprofundar as discussões políticas nos cursos. Entretanto, é fundamental que se diga que esse aprofundamento deve ser trabalhado sem que os debates sejam atropelados, sem que a gestão comece a ‘lecionar’ aos demais alunos, sem que se inicie um comportamento de ‘vanguarda’. Se a diretoria de um centro acadêmico possui material para incrementar as discussões, ela assim o deve fazer, mas não se esquecendo de seguir uma postura que respeite o ritmo natural do debate. Tal postura inclui a necessidade da percepção das particularidades de cada curso; a dinâmica de organização dos estudantes e o nível dos debates são bastante diferentes em cada curso e o real entendimento dessas diferenças é parte essencial do projeto de formação de diretorias representativas.
Ainda, outra questão conceitual importante é a necessidade de que um diretor de CA compreenda que todos os demais estudantes são sócios do centro acadêmico, de forma que, ao menos nas instâncias de deliberação mais importantes como são as assembléias de cursos, todos os estudantes possuem o mesmo peso de decisão. Dessa maneira, um diretor deve se portar nas discussões como mais um estudante que coloca suas posições, desenvolve argumentação e que, reconhecendo o valor de entidade de um centro acadêmico, respeita a posição final do coletivo. Atuar também nesse caso como ‘vanguarda’ - e, logo, peça mais importante - dum movimento estudantil policlassista se constitui numa atitude ilegítima.
Nota-se assim que as críticas ao vanguardismo não possuem apenas uma óptica conceitual, mas também pragmática. O vanguardismo se mostrou ineficiente no ME, sendo a perda geral de interesse pelas entidades estudantis a conseqüência lógica. Manter um comportamento de ‘parnasianismo político’, com discussões esquizofrênicas e decisões tomadas longe do grande conjunto dos estudantes, pode até soar benéfico para a ‘vanguarda’. Mas benéfico até que ponto? Como realmente colocar em prática algo contemplado apenas por uma minoria? Aparentemente difícil, tão difícil que o desinteresse é típico em vários CAs da universidade. O fato é que toda essa problemática só corrobora as idéias daqueles que desprezam o movimento estudantil.
Por tudo isso, é fundamental que se entenda e que se respeite a dinâmica e natureza das entidades de base. Os CAs devem ser verdadeiramente considerados suporte do movimento estudantil universitário. Isso por duas razões principais. Uma porque é justamente nas entidades de base, onde existe um maior contato pessoal, o local privilegiado para a organização dos estudantes. A outra razão, ainda mais importante, é que além de os debates já existirem entre o coletivo de um CA, eles são naturalmente realizados de um âmbito particular para um âmbito geral (e não o oposto). E se em algum momento vislumbrarmos um ME forte temos que ter em mente que qualquer processo de organização do coletivo se faz de forma gradual, estimulando a participação de todos e criando as condições para que as reivindicações dos estudantes sejam realizadas.
Flavião e Juliano
segunda-feira, 20 de outubro de 2008
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